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domingo, 19 de fevereiro de 2012

O CONTROLE DAS TAXAS DE JUROS BANCÁRIOS PELO PODER JUDICIÁRIO


Enquanto a atenção da mídia está, não sem razão, voltada para os juros pagos pelo Governo Federal – a Taxa SELIC, atualmente em 17,75% ao ano –, os encargos cobrados dos consumidores pelas instituições financeiras parecem passar despercebidos. 

Não se vê empenho efetivo em baixar essas taxas, que são muito maiores do que as pagas pelo Governo Federal. Aliás, as taxas de juros praticadas no Brasil estão entre as mais elevadas do mundo. 

Para se ter um exemplo,os juros do cheque especial ultrapassam com facilidade 11% (onze por cento) ao mês.
 
Esta infeliz realidade gera um grande número de ações judiciais, exatamente porque juros elevados oneram demasiadamente o tomador do empréstimo, de sorte que sua renda ou a receita de sua atividade não consegue fazer frente aos juros cobrados, criando, assim, um círculo vicioso, pois quanto maior o índice de inadimplência, maior os juros cobrados, e, quanto maior a taxa de juros, maior a inadimplência.


Infelizmente os Poderes Executivo e Legislativo não adotam medidas práticas e efetivas para trazer a taxa de juros cobrada da população a um percentual aceitável e para conter o excessivo lucro do sistema financeiro. Não estamos olvidando a existência de um ou outro programa de microcrédito, em que as taxas cobradas são reduzidas, visto que são linhas de financiamento mais voltadas para o assistencialismo que propriamente como via alternativa ao mercado de crédito.

Ao consumidor que se sentir lesado, resta a alternativa de buscar amparo no Poder Judiciário, em que poderá frear a cobrança dos   juros abusivos.

Há pouco menos de um ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu ser possível e legítimo o Poder Judiciário verificar “em cada caso, o abuso alegado por parte da instituição financeira”¹ que, em outras palavras, permite ao consumidor insurgir-se contra a cobrança de juros abusivos.

Ao permitir a verificação, em cada caso, da abusividade dos juros, o egrégio STJ demonstra evidente sinal de que a surrada tese defendida pelas instituições financeiras de que gozariam de direito à cobrança de juros ilimitados está ultrapassada. E não há de ser diferente, porque, segundo a Lei Federal 8.884/94², o aumento arbitrário dos lucros constitui infração da ordem econômica, independentemente de culpa.

O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, estabelece em seu artigo 4º que a Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo, entre outros, a proteção dos interesses econômicos dos consumidores; a transparência, a boa-fé, a harmonia e o equilíbrio das relações entre fornecedor e consumidor, assim como visa a proibir e reprimir a eficientemente todos os abusos praticados no mercado de consumo.

Por isso, veda expressamente o fornecedor de exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva e reputa ilegais as cláusulas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé e a eqüidade.

Dentre estes princípios legais, é fácil verificar que a cobrança de juros pelas instituições financeiras não escapa ao controle do Poder Judiciário, nem está imune à imposição de limites,sendo que este haverá de ser fixado sempre que se verifique a incidência de juros abusivos, caso a caso.

Para se ter uma idéia dos abusos praticados, tivemos a oportunidade de analisar o caso de uma dívida que era de pouco mais de R$ 1.600,00 e que, em 13 meses, saltou para R$3.800,00,ou seja, aumentou em 137%, o que equivale a uma taxa mensal de 10,5% ao mês, isso em pleno ano de 2002. Neste processo demonstra-se o abuso e, com certeza, deverá ser coibido pelo Poder Judiciário, eis que ainda não houve julgamento.

É importante frisar que, no ano de 2002, conforme dados do Banco Central do Brasil (www.bacen.gov.br) a Caderneta de Poupança – fonte primária de captação de recursos para financiamentos – apresentou rendimento extremamente inferior aos juros cobrados pelos bancos, não ultrapassando a 9% (nove por cento) ao ano, aí incluídos os juros de 6% ao ano mais a correção monetária.

Como, então, negar que a cobrança de juros na ordem de 8%, 9% ou 10% ao mês não seria iníqua ou abusiva, se a remuneração da poupança não passou neste período de 9% ao ano, ou apenas 0,75% ao mês?

É evidente que o custo do empréstimo não está resumido à taxa paga ao investidor e nem pretendemos aqui demonstrar a taxa de juros ideal. Entretanto, um fato revela-se notório: as taxas de juros são abusivas.

Hoje, a tese de que as Instituições Financeiras não estão submetidas ao Código de Defesa do Consumidor não mais procede, tendo em vista que os Tribunais há algum tempo consolidaram o entendimento de que “tratando-se de empréstimo tomado por consumidor final, a operação creditícia realizada pelo banco submete-se às disposições do Código de Defesa do Consumidor, na qualidade de prestador de serviços especialmente contemplado no art. 3º, § 2º, do citado diploma legal.”*(3)


Igualmente improcedente é a tese sustentada de que o Código de Defesa do Consumidor não poderia ser aplicado aos bancos, por suposta violação de seu artigo 192*(4), como se fez com o ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2591*(5), pela CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO SISTEMA FINANCEIRO – CONSIF, questionando a aplicação do Código de Proteção do Consumidor às atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária. Isso porque o artigo 192, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003, manteve patente que a lei complementar nela referida terá por finalidade organizar o sistema financeiro, traçando regras que dêem solidez ao sistema financeiro interno, delineando atividades permitidas às instituições autorizadas a operar como bancos, estabelecer critérios para aquisições e investimentos mais relevantes de um banco; traçar normas que limitem a formação de ramificações corporativas capazes de expor o banco a riscos indevidos; fixar requisitos mínimos de adequação de capital, de controle de riscos. Em suma, esta lei complementar deverá traçar as normas que assegurem o cumprimento dos Princípios Essenciais da Basiléia, traçados pelo Comitê de Supervisão Bancária da Basiléia.*(6)


A organização do sistema financeiro, contudo, além de adequar-se aos Princípios Essenciais da Basiléia, não pode deixar de atender ao seu maior primado: “promover o desenvolvimento equilibrado do País e servir aos interesses da coletividade”, expressão já constante no caput do artigo 192 da Constituição Federal, e mantida pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003.

Portanto, a lei complementar é destinada a garantir um sistema financeiro saudável, buscando promover o desenvolvimento equilibrado do País servindo a coletividade e, conseqüentemente, não permitindo o crescimento dos bancos à custa de encargos financeiros abusivos. Esta é portanto, a finalidade da norma, fato que não pode ser esquecido pelo julgador ao aplicar a lei.

Ademais, o artigo 5º, inciso, XXXII*(7), da Constituição Federal, delega para lei ordinária a proteção do consumidor frente a todo e qualquer fornecedor e sem nenhuma ressalva.

Por que, então, somente as instituições financeiras e afins seriam agraciadas com uma legislação especial a regular seu relacionamento com os respectivos clientes? Que fator justificaria a existência de um sistema contratual exclusivo para as instituições financeiras, a ponto de não violar o princípio da isonomia?

Ora, em que pese ser relativo o conceito de clareza, conforme adverte Carlos Maximiliano*(8), bem como ser de reservada ou pouca utilidade o aforismo interpretatio cessat in claris, não nos cabe divagar ao definir o alcance do artigo 192 da CF, pois é absolutamente explícito seu sentido. 

Se está o referido dispositivo legal a tratar de autorização, estruturação e funcionamento do sistema financeiro, porque haveríamos de enxergar aí limitação à proteção e defesa do consumidor por meio de lei ordinária? Efetivamente tal limitação não há, porque – repita-se – à lei complementar cumprirá traçar normas de consentimento para funcionamento de bancos, fixar critérios de organização (capital mínimo etc.), supervisão bancária etc.

Não há, portanto, limitação constitucional nenhuma para aplicação do chamado Código de Defesa do Consumidor e seus princípios aos contratos bancários, até porque – repita-se – é a própria Constituição Federal que estabelece em uma de suas cláusulas pétreas que a defesa do consumidor se dará por lei ordinária e cujo escopo é o de assegurar o equilíbrio das relações jurídicas da coletividade, ou seja, tem o mesmo objetivo da lei complementar a que se refere o artigo 192 da Carta Política. As referidas normas, portanto, completam-se.

Daí por que ter o STJ, em outra recente decisão, acolhido o pedido de um consumidor de Minas Gerais e determinado ao banco não só lhe devolver os valores cobrados a maior, como também que estes valores fossem atualizados monetariamente pelas mesmas taxas cobradas pelo banco, buscando manter o equilíbrio da relação jurídica. 

Neste julgamento, a decisão do STJ assentou que “O montante do indébito a ser restituído deverá ser composto não apenas pelo valor cobrado indevidamente (principal), mas também por encargos que venham a remunerar o indébito à mesma taxa praticada pela instituição financeira no empréstimo pactuado (acessório). Se, em contrato de cheque especial pactuado à taxa de 11% ao mês, a instituição financeira cobrou valor de seu correntista indevidamente, deverá restituí-lo acrescido da mesma taxa, isto é, 11% ao mês.*(9)”

Enfim, a cobrança de juros exagerados praticada pelas instituições financeiras é matéria claramente sujeita ao controle do Poder Judiciário, o que autoriza todo mutuário que se sentir lesado ou que esteja pagando juros exorbitantes pedir judicialmente a revisão judicial do seu débito ou até mesmo a devolução do que tiver sido pago a maior.
 EMERSON JOSÉ DO COUTO*

* Advogado em Ribeirão Preto (SP). Sócio do Escritório Gasparini Júnior, Barros e Couto Advogados.
1 (Recurso Especial 507.882/RS, publicado no Diário Oficial de 25.02.2004, pág. 184).
2 Transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências.
3 Decisão publicada na Revista do Superior Tribunal de Justiça, Volume 151, página 429.
4 Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.
5 Dispositivo Legal Questionado. Art. 3.º, § 2.º, da Lei n.º 8.078/90, na expressão "inclusive as de natureza bancária financeira de crédito e securitária". (Art. 3.º – Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços . ( . . . ) § 2.º – Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
6 O Comitê de Supervisão Bancária da Basiléia (Basle Committee on Banking Supervision) reúne autoridades para fiscalização bancária e foi estabelecido pelos Presidentes dos bancos centrais dos países do Grupo dos Dez (G-10), em 1975. É formado por representantes da Bélgica, Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Luxemburgo, Holanda, Suécia, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos.
7 XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.
8 Hermenêutica e aplicação do direito – 11.ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 1991, pág. 37.
9 Recurso Especial nº 453.464/ MG, publicado no Diário Oficial de 19.12.2003.

Um comentário:


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