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domingo, 19 de fevereiro de 2012

Juros remuneratórios abusivos nos contratos de empréstimos bancários

Um tema atualmente em voga em todo o território nacional é a questão da abusividade de juros remuneratórios cobrados nos contratos de empréstimos bancários, instituto que este artigo pretende analisar, à luz do que vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.

Preliminarmente, mister ressaltar que são considerados como instituições financeiras, conforme exegese do artigo 17 da Lei nº 4.595/64, as pessoas jurídicas de direito público ou privado, que tenham como principal ou secundária tarefa, coletar, intermediar ou aplicar recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros, sendo equiparadas a elas as pessoas físicas que exerçam qualquer dessas atividades, de forma permanente ou eventual, consoante preconiza o artigo 17 da Lei nº 4.595 de 31 de dezembro de 1964.


Convém gizar, ademais, que nos contratos de empréstimos bancários envolvendo instituições financeiras e particulares devem incidir as normas consumeristas, vez que, nesta modalidade de contrato, o tomador de empréstimo é considerado destinatário final, e, portanto, consumidor. É o que dispõe a súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça (Súmula 297. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras).


Desta feita, realizada as questões preliminares acerca do tema, o dilema a ser enfrentado é a questão da prática de juros remuneratórios abusivos nos contratos de empréstimos bancários.


Sabe-se que os juros remuneratórios (ou compensatórios) são os utilizados para remunerar o capital disponibilizado para o particular, e deverão, para ter validade, seguir alguns limites estabelecidos pelo atual ordenamento jurídico.


Assim, no que tange a citada prática abusiva, salienta-se que atualmente a usura é proibida, valendo ressaltar que o Decreto n.º 22.626/33 (Lei de Usura) vedou a prática de juros superiores ao dobro da taxa legal, correspondente a 12% ao ano.


Noutro vértice, há um lapso temporal não muito distante, a própria Constituição Federal previa em seu artigo 192, §3º uma limitação de juros reais a 12% ao ano. O Supremo Tribunal Federal, todavia, manifestando-se acerca do tema, editou a súmula vinculante n.º 7, enfatizando a necessidade de edição de lei complementar para aplicação da norma acima mencionada, nos seguintes termos: “A norma do parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar”.


Assim, referido ditame constitucional, modificado pela emenda constitucional n.º 40/2003, não mais fixou uma limitação específica, asseverando somente que o “Sistema financeiro Nacional (...) em todas as partes que o compõem (...) será regulado por leis complementares (...)”.


Neste desiderato, ainda tocante a abusividade dos juros remuneratórios praticados nos contratos de empréstimos bancários, mister ressaltar que, a teor da súmula n.º 596 do Supremo Tribunal Federal, a Lei de Usura não é aplicada as instituições financeiras, valendo anotar, noutro turno, que a Súmula 382 do Superior Tribunal de Justiça prevê que “a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”.


Desta feita, pelo entendimento hoje em voga, e porque a Lei n.º 4.595/64 permitiu que o Conselho Monetário Nacional autorize a política de moeda e crédito no país, permitindo que, por intermédio do Banco Central do Brasil, determine os juros e as taxas de mercado, há que se verificar a prática de juros abusivos levando em consideração a taxa média do mercado, quantum esse disponibilizado pelo Banco Central em seu sítio eletrônico.


Neste prisma, segue o entendimento jurisprudencial:
Consumidor. Contrato Bancário. Conceito de Juros Remuneratórios abusivos. Do ponto de vista jurídico, são abusivos apenas os juros remuneratórios que destoam da média do mercado sem estarem justificados pelo risco próprio do negócio — conclusão que, no entanto, depende de prova in concreto. Comissão de Permanência. A comissão de permanência abrange três parcelas, a saber, os juros remuneratórios, à taxa média de mercado, nunca superiores àquela contratada para o empréstimo, os juros moratórios e a multa contratual. Agravo regimental não provido. (STJ. AgRg no REsp 747522 / RS. Rel. Min. Ari Pargelender. J. em 02.09.2008). (grifou-se)
O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina não diverge sobre o assunto:
Apelação Cível. Revisional de Contratos bancários. Juros remuneratórios. Por entendimento da maioria, aplicação dos contratados, desde que não ultrapassem as taxas medis de mercado. Limitação às taxas legais na inexistência de contratação. Capitalização mensal de juros afastada. Inconstitucionalidade do art. 5º da medida provisória 2.170/36. Ausência de pacto expresso. Comissão de Permanência incidente apenas de contratada, nos termos do enunciado n. III do grupo de câmaras de direito comercial do TJSC. Descaracterização da mora. Cobrança de encargos remuneratórios ilegais. Sucumbência mantida. Recurso parcialmente provido. (TJSC. Apelação Cível n. 2010.007006-0, de Garopaba. Rel. Des. Lédio Rosa de Andrade. J. em.23.08.2011).
Neste norte, acaso constar no instrumento contratual cláusula estipulando percentual de juros superior à taxa média estabelecida pelo mercado na data em que foi firmado o negócio jurídico, caracterizado estará a abusividade de juros, e portanto, passível a mudança do contrato.


Noutro vértice, imprescindível anotar que quando invertido o ônus da prova em virtude da aplicação do Código de Defesa do Consumidor e a instituição financeira não acostar ao processo em que é parte o instrumento contratual, vem decidindo o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina que o juros a ser estipulado é o de 12% ao ano.


Seguindo essa linha de raciocínio, o Desembargador Raulino Jacó Bruning, enfrentando a temática em um de seus votos, asseverou que “(...) não se pode confundir a situação de o contrato não ter sido acostado aos autos com a hipótese de inexistir disposição contratual acerca da aplicação da taxa de juros entre as partes. São situações distintas e suas soluções, por certo, também são diversas (...). A inexistência de previsão contratual a respeito dos juros remuneratório, como bem explica o despacho em apreço, impõe a limitação dos juros à taxa média do mercado, e não à taxa legal. Entretanto, por tal circunstância ocorrer, é presumível que o instrumento de contrato esteja nos autos, e isto não acontece neste processo, devendo ser aplicado o art. 359 do Código de Processo Civil” (TJSC. Apelação Cível n.º 2006.004850-3, de Criciúma. Rel. Des. Raulino Jacó Bruning. J. em 29.06.2011).


Seguindo a mesma corrente, não destoa outro julgado da mesma corte:
Agravo regimental no recurso especial – Contrato Bancário – Ação Revisional – Juros Remuneratórios – Ausência de contrato nos autos – Limitação em 12% ao ano – Revolvimento de fatos e provas – Súmula 07/STJ – Falta de prequestionamento – Súmula 211/STJ – Art. 535 do CPC – Desprovimento.


1 - No que diz respeito aos juros remuneratórios, verifica-se que a instituição financeira não juntou aos autos o contrato de abertura de crédito em conta corrente firmado entre as partes, sendo que cabia ao ente bancário apresentá-lo, vez que a inversão do ônus da prova foi aplicada ao caso sub examen. Assim sendo, ante a inexistência do aludido documento, deve-se limitar os juros remuneratórios em 12% ao ano, porquanto impossível se constatar a existência de cláusula contratual prevendo percentual diverso. A par disso, para se chegar à conclusão distinta do entendimento pregado pela Corte estadual, necessitar-se-ia revolver todo o acervo fático-probatório produzido, incabível de ser feito na via do Recurso Especial, a teor da Súmula 07/STJ. (...). ( TJSC. Apelação Cível n.º 2009.001626-8, de Palhoça. Rel. Des. Jorge Luiz de Borba. J. em 24.06.2001).
Desta feita, nos moldes do que prevê o art. 359 do Código de Processo Civil, e quando não for acostado o contrato nos autos correspondente, é de bom alvitre que seja a taxa de juros limitada a 12% ao ano.
Ante todo o exposto, denota-se que no que concerne a abusividade de juros remuneratórios nos contratos de empréstimos bancários, o atual posicionamento jurídico caminha no sentido de limitá-los a taxa média de mercado, excetuando, contudo, o caso em que o contrato não é juntado aos autos, ocasião em que os juros serão fixados a 12% ao ano, conforme entendimento acima colacionado. 


Lucas Rocha Fabris – OAB/SC 31.312



Referências Bibliográficas:


FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Sousa. Juros bancários. Limites e Possibilidade. Curitiba: Juará, 2001.
GOMES, Orlando. Contratos. 26. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
MERENIUK, Ruy Orlando. A usura na velocidade do tempo. Contratos bancários e o impacto das taxas de juros. Curitiba, Juará, 2002.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. 4. Ed. São Paulo: Atlas, 2004. v. 3.

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